Visite nossa cozinha

É corajosa a atitude dos restaurantes brasileiros, quando nos colocam essa placa na entrada das suas cozinhas. Será que fazem isso somente por exigências de lei, ou os cozinheiros estão realmente tranquilos nos fazendo esse convite?

De qualquer forma, a coragem fica por conta do fato dos cozinheiros se colocarem abertos para o exame do como eles estão buscando um resultado. Para cozinheiros, parece, então, que está incorporado o conceito de que o prato pronto com os requisitos de qualidade do comensal depende, quase que exclusivamente, da forma como ele foi preparado. Quer dizer, grande atenção ao processo e muita competência na elaboração do prato: isso garantido, o resultado será inevitavelmente bom. Óbvio, os ingredientes contam também, mas a escolha deles já não faz parte do processo de elaboração do prato?

Quanta lição, nas cozinhas brasileiras, para os nossos processos de mudança organizacional! Cozinheiros têm a chave do sucesso nessas questões, e nós estamos consultando os oráculos da administração para nos ajudar.

Será que teríamos a mesma coragem desses cozinheiros e submeter ao julgamento do cliente interno, nosso “como estamos fazendo mudanças”. Durante o processo de concepção e de implantação de alguma novidade/necessidade organizacional (enxugamentos, inovações administrativas, sistemas integrados de gestão, TPM nas fábricas etc.), estaríamos tranquilos para abrir nossas “portas” para visitas?

Às vezes, parece que não. Sabemos muito bem justificar as necessárias transformações organizacionais nas injunções dos cenários externos. Nossas análises estão praticamente perfeitas: em nome da sobrevivência é preciso mudar. Palavras-chave que sustentam nossas análises: globalização, competição, consumidor exigente, excelência, qualidade, flexibilização, etc. Não estamos errados. Essa maneira de analisar está consagrada pelo sucesso. O problema está no como transportamos isso para dentro e no como transformamos as empresas com base nessas justificativas.

Em nome dessas análises, cometemos muitos atropelos e grandes enganos na preparação de pratos para nossos clientes internos.

O primeiro deles é acreditar que essas análises de cenários são suficientes para convencer aqueles que terão seu trabalho profundamente modificado de que eles devem mudar. Aí reside um dos nossos maiores enganos. O convencimento e comprometimento do nosso comensal se dão muito mais por vias de suas necessidades emocionais do que por sua racionalidade. Se assim não fosse não seria necessário fazer uma grandiosa arquitetura comportamental para os processos de mudança. O projeto seria simplesmente anunciado na sexta-feira e na segunda-feira todos começariam vida nova, pelo convencimento que todos têm das necessidades de sobrevivência da empresa. As frases e comentários nos corredores seriam: “Que bom que estamos mudando, senão não sobreviveríamos”, ou ainda: “Fico aliviado(a) em saber que vamos reduzir pela metade nosso efetivo para poder competir com mais eficiência no mercado”. Frases tão impossíveis quanto absurdas.

 

Um outro engano da nossa culinária organizacional, já citado, é esperar muito do que será feito: programa de qualidade, plano estratégico, sistema integrado de gestão etc. e pouco, ou quase nada, da forma como serão implantados esses projetos: mobilização/envolvimento de pessoas, aspectos participativos do projeto, criação de oportunidades de aprendizagem interna, entre outros. A pouca importância ao processo de implantação tem proporcionado ao ambiente organizacional muito mais “insalubridade” nas relações, custos de retrabalho, enganos e erros, indefinições e interrupções do que o próprio projeto em si já proporciona. Essa descrença no processo funciona como um ingrediente não colocado em um prato refinado e de complexa execução.

Diante dessa análise, onde estamos afinal? Parece que, um balanço desses últimos tempos de transformações e mudanças nos trouxe alguns aspectos positivos: rapidez do ciclo resposta das empresas, aumento da qualidade de produtos e de alguns serviços, diminuição de custos, foco nas competências do negócio; enfim, eficácia em resultados. Mas e a cozinha, como está? Pressão por resultados a qualquer custo, aumento do estresse interno, aumento das “doenças” psicológicas, vínculos mal resolvidos, nostalgias de outros tempos, pedidos de demissão voluntários, saudades das determinações de cima para baixo…

Ou seja, resultados de um processo que, se não inviabilizam, pelo menos fazem questionar o “sucesso” de uma mudança organizacional com esse saldo interno.

Resta agora um balanço. Vale continuar dessa maneira? A avaliação das perdas e ganhos e do custo x benefício de atuarmos assim pendem para qual lado?

Definitivamente, precisamos desenvolver a competência gerencial de conceber e implantar mudanças nas nossas empresas. Nossos pratos são indigestos e espantam os clientes.

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