Parece simples

Um fato real ocorrido em uma fábrica ilustra muito bem as questões com as quais as organizações estão envolvidas nos dias de hoje. Ou será que sempre estiveram?

Na hora do almoço, um auxiliar de produção está no final da linha de produção encaixotando o último lote de produtos daquela máquina. O operador responsável estava do outro lado da linha (no seu início) providenciando os ajustes para o fechamento do dia. De repente uma embalagem com produto “enrosca” na esteira e a linha para automaticamente. O operador já não estava no seu posto. Encontrando-se, então, sozinho, o auxiliar olha ressabiadamente para os lados, se certifica de que não há ninguém olhando, abre a proteção da máquina e tenta retirar a embalagem que está travando o funcionamento da linha. Repete esse gesto duas ou três vezes mais, sempre olhando para todos os lados para confirmar que está sozinho, até que, finalmente, consegue seu intento e põe a linha em funcionamento novamente. Percebe-se um alívio dele.

Uma expressão poderia definir esse ilustrativo acontecimento: esse auxiliar de produção sabe, mas não pode. Ou seja, de um lado existe e está disponível o potencial humano e do outro está o processo de trabalho necessitando da intervenção humana, no entanto, deve haver uma série de regras/paradigmas/valores interrompendo o livre fluxo entre os dois.

Não é isso afinal que tem inspirado as transformações organizacionais nos últimos tempos: tentar retirar esses impedimentos existentes entre o potencial humano e o processo de trabalho para obter excelência no funcionamento de todo sistema?

Aprendemos rapidamente a identificar que as hierarquias rígidas, extensas e burocráticas distanciam as decisões de onde o fato gerador aconteceu, retirando o poder de decidir de quem sabe e entregando-o a quem pode. A partir dessas constatações, diversos desenhos de estrutura e organização do trabalho foram idealizados, afrontando e confrontando os paradigmas consagrados para dar lugar a modelos de gestão mais amigáveis à intervenção humana, mais baseados na capacidade intangível da organização que é o seu potencial humano. Dessa forma, perde-se o medo da ausência de regras rígidas, estabelece-se o controle sustentado na maturidade das pessoas, a estrutura funciona como um facilitador do trabalho e não como um dificultador ritualístico que necessita ser cumprido. Poder e saber se redefiniram no cotidiano organizacional. As ditas prerrogativas gerenciais foram sabiamente questionadas e deram lugar às práticas mais racionais e produtivas de trabalho. Parece incrível, mas hoje consideramos a hierarquia, os controles rígidos, o trabalho individual como práticas antiquadas de trabalho.

Assim como estamos fazendo com a hierarquia, muitas outras ações precisam ser endereçadas. A cultura da punição do erro, a rigidez funcional, o autoritarismo de líderes, as disputas de territórios e entre “feudos”, todos esses elementos também funcionam como barreiras ao potencial humano e, consequentemente, à produtividade da organização. São, na maior parte das vezes, invisíveis; outras vezes, desaparecem do cotidiano mas não da cabeça das pessoas, que continuam agindo como se existissem; manifestam-se mais fortemente durante os processos de mudança que é o momento organizacional fértil para encontrá-los, questioná-los e derrubá-los.

A derrubada dessas práticas indica que estamos buscando conciliar adequadamente as necessidades do negócio e das pessoas. Não é esse, afinal, o trabalho permanente dos gestores?

As respostas para enfrentar essas questões também já existem. Abrir o diálogo franco, escutar, reconhecer e compreender as aspirações e potenciais dos funcionários, ter clareza de propósitos e de estratégias, construir sistemas de RH coerentes com expectativas das pessoas e os resultados da organização, tudo isso mostra o caminho e sugere aperfeiçoamentos e melhorias na relação pessoas x produtividade.

Parece importante, no entanto, ter coragem, conhecimento e visão crítica para enfrentar essas questões, pois a cada dia modas e novidades reaparecem propondo soluções simplificadoras para esses problemas complexos. Não são jogos, “sete passos milagrosos” ou descargas de adrenalina em treinamentos alternativos que levarão ao encontro das soluções mais adequadas. Ao contrário, vale muito mais para encarar esses desafios, apegar-se ao conhecimento já existente da questão humana no trabalho do que às passageiras soluções “milagrosas”. Não se trata de volta ao passado, muito pelo contrário, se trata sim de usufruir conhecimentos produzidos seriamente no intuito de facilitar a construção de uma organização onde o nosso protagonista, aquele auxiliar de produção, possa dar sua contribuição de forma madura, consciente e ser reconhecido e recompensado justamente por ela. Parece simples.

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