Diferenças e divergências: um privilégio das gerações?

É verdade que as diferenças entre as gerações geram conflitos como sempre geraram ao longo da historia das gerações em nossa sociedade. Não é só um problema de X, Y, Z…é uma questão principalmente geracional. Partindo desta premissa, talvez não tenha mais lugar nas organizações a discussão sobre as diferenças geracionais desta ou daquela ordem. Parece que não temos mais que discutir ou entender que a geração isto é diferente da geração aquilo. Elas sempre serão! Uma outra questão é que esta insistência em nomear as gerações “isto ou aquilo” como tendo tais ou quais características mais favoráveis a vida organizacional, incorre no grave erro do preconceito e da exclusão.

Sabe-se que diferentes gerações contemplam/percebem a complexidade do ambiente organizacional a partir de seus vieses existenciais e de suas experiências particulares. Quer dizer, olham para a empresa a partir de suas crenças e valores, sua experiência pessoal, sua formação, seu momento de vida, entre outras coisas.

Isso implica na prática em diferenças e, portanto, em divergências. Não se pode negar que um sênior, com alguns bons anos de experiência, em uma posição de liderança, vai ter dificuldades de dividir/compartilhar a mesma visão de empresa e do trabalho com um subordinado seu recém-formado/trainee com uma diferença de 30 anos de idade. É lógico que a recíproca é verdadeira, o líder jovem (coisa que tem acontecido muito ultimamente) com seu subordinado sênior também sentirá algumas dificuldades.

Portanto, se depender de diferenças cunhadas pelas gerações a divergência e o conflito estão praticamente garantidos, eles proveem da natureza das diferenças geracionais. Atualizam-se, mas em natureza continuam os mesmos.

Não se trata de apenas constatar e sucumbir à realidade das gerações, não é isto que interessa para a convivência imperativa e cotidiana do trabalho. Mas incentivar os atores organizacionais (e não mais as gerações) para que tratem de identificar e potencializar suas diferenças para o projeto comum. Nada mais óbvio: juntar o melhor das diferenças para o benefício de todos.

No entanto, e como sempre, falar é fácil, fazer é muito mais difícil. Isto porque, diferentemente do que muitos pensam esta convergência não aparecerá sem esforço consciente das partes. Sem a disposição de encontrar “encaixes” e complementaridades nada acontecerá naturalmente. Falando de outra forma, as divergências são naturais, já a convergência é produto do esforço dos atores individuais envolvidos e não mais das gerações. Parece e soa estranho, a origem do conflito é coletiva (geração), a solução é individual.

Isto vale também para quaisquer divergências encontradas no ambiente cotidiano de uma empresa.

Várias são as fontes / origens de divergências em uma empresa: diferenciação de atividades, relação staff x linha, recursos limitados compartilhados, funções interdependentes, sistema de recompensas competitivo, níveis hierárquicos, diferenças de gênero, entre outras. Todas estas podem, corretamente, ser entendidas como estruturais, portanto inerentes ao sistema. Porem, ainda existem alguns que consideram a presença dessas divergências como negativas e estranhas ao ambiente organizacional. Devem ser extirpadas na visão destes, e como decorrência acreditam que processos bem definidos vão regular as relações entre os atores organizacionais que estão em oposição. O conflito (divergência em ação) é nefasto e deve ser curado deste ponto de vista.

Outro caminho (talvez mais realista) seria primeiro reconhecer a existência das tais divergências e em seguida incorporar como cultura da empresa a atitude madura de enfrentá-las no cotidiano. Negociar, administrar conflitos, gerenciar crises devem ser as palavras de ordem nesta forma de ver o problema.

Por outro lado, as estruturas organizacionais, principalmente as contemporâneas, postulam divergências (basta ver o exemplo bem conhecido das matriciais) e, portanto, naturalmente induzem ao conflito se os protagonistas não estiverem preparados e dispostos a agir. Pode até acontecer das partes divergentes chegarem a uma solução que implica a existência de um processo melhor definido e regulador da relação, e como prevenção de embates futuros. Sem problema, neste caso o entendimento humano veio em primeiro lugar.

Para concluir não se está aqui apregoando o renascimento dos velhos conhecidos cursos e seminários de negociação e administração de conflitos para resolver este problema. Na verdade, concentrar esforços na habilitação dos atores organizacionais é necessário, mas não suficiente. É preciso assumir de forma cultural uma posição sobre a naturalidade de divergências internas e enterrar de vez o enganoso discurso da “grande família” como sinônimo de harmonia e paz na empresa. Como se na família não houvesse divergências…, mas esta já é uma outra história.

A maturidade de um ambiente e de uma cultura organizacional surge a partir do esforço de construção de pactos e acordos de convivência profissional, com base na aceitação das diferenças como naturais e na responsabilidade de dar conta delas que os atores organizacionais assumem. Processos não pensam.

Luis Felipe Cortoni

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