Talentos: quem são?

Uma rápida leitura das mais importantes revistas nacionais de management e de gestão de pessoas, indica que definitivamente estamos na era da busca e retenção de talentos. Já existem autores e profissionais de RH que não mais se referem a pessoas, capital humano, ou qualquer outra expressão, mas sim aos Talentos (alguns deles com letra maiúscula).

Consideram, aqueles que escrevem ou vendem o assunto, que esta busca se justifica pela necessidade indispensável e imprescindível de alta performance nas empresas hoje e que os talentos podem, de alguma forma, entregá-la.

De olho nesta questão, algumas reflexões podem ajudar a pensar mais profundamente no assunto.

O que é um talento afinal?

  • uma pessoa que responde ou responderá de forma outstanding às competências pré-definidas na empresa?
  • uma pessoa que levará a empresa em direção ao futuro porque possui visão e capacidade de antecipar respostas? esta é uma competência ou uma marca pessoal que só um certo tipo de talento possui?
  • uma pessoa que cumpre exatamente o que a empresa espera dela em termos de alta performance?
  • uma pessoa que é “resiliente” (como preferem alguns) às mudanças constantes, fazendo adaptações internas de sucesso em relação às exigências e pressões externas?
  • um(a) profissional do mercado, completamente diferente dos perfis existentes na empresa e que consegue contrapor, adequadamente, soluções criativas e inovadoras aos entraves pelos quais a empresa passa?
  • uma pessoa que será feliz e altamente realizada na empresa, esforçando-se sempre para dar o que tem de melhor profissionalmente?

Se a tentação diante destas perguntas é responder com a conhecida alternativa “todas as anteriores”, então não se está buscando um talento, mas sim um super-homem ou uma super-mulher. De qualquer forma, parece claro que, para encontrar e reter um talento é necessário algum tipo de definição prévia de quem se está buscando. O que pode significar que o que é talento para um, pode não ser para outro. Portanto, os talentos talvez não sejam tão escassos assim, pois tudo pode ser uma questão de definição.

Parece também, que existe pouco espaço para os medianos, aqueles bons cidadãos corporativos, que carregam diariamente o piano, que mantém a performance dentro do esperado, pois se algumas das perguntas acima servem para indicar um talento, elas não contemplam este profissional. Quer dizer então, que as empresas desejam construir um quadro de colaboradores (como preferem outros) só com talentos. Será isto possível?

Por outro lado, considerando que o talento foi encontrado e contratado, outras tantas reflexões podem surgir.

  • a empresa tem ferramentas, políticas, processos robustos para retê-lo? (supondo que ele(a) é exigente para sua permanência na empresa)
  • por quanto tempo espera-se que a pessoa seja um talento?
  • como dizer, ou não dizer, aos outros que talentos são só alguns poucos, e que serão tratados de forma diferenciada?
  • para os talentos a melhor exceção das políticas de RH, e para os “normais”? a lei?
  • é possível transformar pessoas “normais”, que já trabalham há algum tempo na empresa, em talentos?
  • a empresa oferece as condições necessárias de remuneração, tecnologia, ambiente de trabalho, cultura para atrair e reter talentos? Ou modifica-se a definição colocando como condição ao talento que ele deve desempenhar com excelência sem estas condições mínimas presentes?
  • há na empresa líderes talentosos para gerir talentos?
  • é possível que em função das viradas bruscas de direção e das mudanças imperativas do mercado a definição de talento de uma empresa possa mudar também?
  • se a resposta anterior é um sim, o que fazer com os ex-talentos?
  • perdem-se talentos para concorrentes ou para o mercado? porque isto acontece?
  • e os talentos que foram “apagados” por algumas das condições acima citadas?
  • todas as empresas bem sucedidas são assim reconhecidas porque tem talentos em seus quadros funcionais? quantos? em que proporção?

A maior parte destas questões leva em consideração que a performance excelente não depende exclusivamente do “artista”, mas também da contribuição do cenário onde ele deverá atuar. O talento influencia o cenário/ambiente e é influenciado por ele. Isto vale também para os ditos “normais”, pois um esforço em produzir melhorias nas condições onde uma performance deve acontecer, facilita o aparecimento do bom desempenho de um número maior de profissionais não tão talentosos. Um cenário interno favorável (cultura organizacional, clima, trabalho em equipe, tipo de supervisão recebida…) ajuda muito, talvez até favoreça o aparecimento de talentos.

Não se deve concluir, a partir destas reflexões, que talentos não existem, que talentos não são necessários, ou que eles são iguais a todos os outros profissionais. Mas uma conclusão possível é que para atrair, reter e desenvolver talentos é preciso antes de tudo saber o que é necessário para a empresa. Alem disto, ao dividir com eles o peso da responsabilidade de gerar resultados excelentes, também comprometer-se em possibilitar as condições mínimas para isto acontecer e as contrapartidas esperadas por eles.

Outra conclusão nos direciona para a chamada 3ª via, porque não desenvolver verdadeiramente aqueles que já estão na empresa com vistas a torná-los os verdadeiros talentos: alta performance + alto engajamento = resultados melhores.

Se não for desta forma, uma última conclusão possível é que talentos podem estar sendo os depositários de uma esperança organizacional que a gestão não está conseguindo realizar na prática. Só falta acrescentar na descrição de função deles a competência de mágico.

LUIS FELIPE CORTONI

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