Sobreviver e desenvolver-se nas empresas: ontem e hoje

Cena 1

-      8h00, chegada ao local de trabalho;
-      papéis e pastas nas gavetas;
-      máquina de escrever elétrica (esférica, última geração);
-      preparar transparências para apresentar na reunião do setor;
-      pedir uma ligação para a telefonista a serviço;
-      fazer trabalho prévio para participar no curso gerencial de trabalho em equipe  (40 horas de duração);
-      aviso de aumento de salário vindo do depto. de pessoal;
-      almoçar num dos 4 restaurantes da empresa, aquele do seu nível hierárquico;
-      pedir um relatório de dados ao CPD;
-      discutir com O&M uma norma de utilização da máquina “Xerox”;
-      estar no 8º posto (de cima para baixo) dos 9 níveis hierárquicos existentes;
-      17h45, retorno para casa;
-      18h30, andar com o cachorro pelo quarteirão.

 

Cena 2

-      9h00, chegada ao local de trabalho;
-      micro ligado, 110 novos e-mails;
-      videoconferência com pares da Venezuela, USA e Hong Kong (o inglês do oriente é incompreensível!);
-      reunião com pessoal da categoria de produtos e do processo de supply chain;
-      35’ de visita à intranet para preencher formulário de autoavaliação de desempenho;
-      reunião com célula de trabalho para tomar decisões técnicas e de gestão de pessoas de rotina;
-      elaboração de relatório de custos da célula para enviar ao gerente;
-      reunião com fábrica e marketing para update de lançamentos de produtos;
-      verificar cumprimento das metas para estimar o bônus do mês;
-      estar no meio dos 4 níveis hierárquicos existentes e responder para dois chefes no exterior (um da América Latina, mas que fica em Miami, e outro da matriz na Alemanha);
-      e o almoço??;
-      21h00, retorno para casa mais cedo por causa de um compromisso familiar.

Quantos serão os anos que separam as duas cenas acima? Não é difícil de dizer: apenas 25. Quantas diferenças! A única similaridade é a presença dos protagonistas. Por isso, não interessa destacar aqui as mudanças ocorridas nesses anos e que transformaram os ambientes de trabalho tão drasticamente, essas todos nós conhecemos ou experimentamos.

No entanto, parece sempre muito mais importante discutir e refletir sobre que tipo de exigências (alguns preferem competências) são feitas aos protagonistas das cenas atuais do dia a dia organizacional para que eles possam ter um desempenho adequado com vistas a sobreviver e obter sucesso profissional, em comparação àquelas exigidas dos protagonistas de ontem. Isso porque aprendemos, depois de muitas mudanças, que as estruturas e modelos de gestão organizacionais mudaram muito mais rapidamente do que a capacidade humana de se adaptar a eles e, além disso, diz-se nos meios organizacionais que as pessoas são o patrimônio mais importante das empresas hoje. Portanto, nunca é demais buscar entender o que as empresas esperam/exigem dos seus profissionais hoje.

Algumas exigências feitas hoje são velhas conhecidas: trabalho em equipe, competência interpessoal, dominar outro idioma, visão de resultados e de custos, estilo participativo… vêem sendo desenvolvidas e discutidas com mais ênfase nos últimos 20 anos.

Outras são inéditas, por isso mais recentes: trabalhar em/com grupos virtuais, autonomia decisória, trabalhar sem supervisão permanente, desempenhar-se em estruturas matriciais, ter visão de processo, dominar outros idiomas, dominar algum tipo de tecnologia, adaptabilidade…

Acrescente-se a elas: a pressão por resultados, a vivência cotidiana com o ambíguo, o anacrônico, o virtual, o efêmero, o estressante, o rápido e teremos um quadro fiel da luta pela sobrevivência de muitos nas organizações de hoje.

Obviamente, os impactos em cada um de nós são diferentes. Alguns desenvolvem comportamentos adequados e se adaptam rapidamente sem problemas, outros sofrem para conseguir isso, outros acabam não conseguindo, porém mudam “a reboque”. Mas todos fazem esforços para decodificar essas tais exigências, buscam entendê-las e transformá-las em comportamentos adaptados e esperados pela empresa. Esse processo de busca é intenso e interminável, assim acontece o desenvolvimento humano.

Uma das fontes de apoio a ele tem sido, inegavelmente, as explicações teóricas, as metáforas, os depoimentos de líderes de sucesso, as analogias com o esporte, a literatura de autoajuda, os treinamentos alternativos… todos elaborados como tentativas válidas de ajudar a compreensão da realidade organizacional de hoje e dar pistas de sobrevivência para amanhã às pessoas.

No entanto, essas fontes não são iguais nem em profundidade, nem em intenção explicativa; essa parece ser também uma característica do contexto de hoje se comparado ao de ontem. É preciso que os profissionais desenvolvam, para distingui-las, uma outra competência que pode ajudar nesse caso: a visão crítica. Somente com ela poderão selecionar as informações/explicações que chegarão a eles em uma velocidade e quantidade sempre crescentes. Poderão identificar as “soluções” milagrosas, simplificadoras ou “de banca de aeroporto” e, muitas vezes, enganosas, que oferecem rapidez sem muita perda de tempo com reflexões profundas, supostamente demoradas e, portanto, indesejadas.

Sobreviver e desenvolver-se no contexto organizacional de hoje tornou-se, assim, um exercício complexo e ambíguo: de um lado estar pressionado para adaptar-se rapidamente às exigências de desempenho e de outro estar exposto a uma grande quantidade de fontes não muito sustentáveis de explicações e soluções, que não tratam o comportamento humano na empresa com a profundidade e a complexidade que lhe são devidas.

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