Reclamar de chefe

Reclamar ou criticar negativamente o chefe, com raras exceções, virou desporto nacional nas empresas do Brasil. Pode até parecer, para alguns, uma afirmação óbvia. No entanto, devido à sua frequência e impacto no ambiente de trabalho, parece importante entender um pouco mais sobre essa atitude.

Seria interessante abordar essa velha e conhecida questão organizacional na óptica do comportamento dos envolvidos e não somente por meio do interesse da empresa em obter eficácia e eficiência de resultados.  É claro que a qualidade da relação chefe x subordinado impacta fortemente nos resultados de uma equipe, mas esse não é o único ponto aqui. Interessa discutir e entender as origens e as razões do aparecimento desses comportamentos para poder compreender melhor os vínculos que se estabelecem no cotidiano e as contribuições de cada um dos agentes envolvidos.

Uma primeira característica desse comportamento estereotipado é que dificilmente se reclama do chefe diretamente para ele. Nesse caso, questões de sobrevivência são as justificativas mais alegadas para não fazê-lo porque quem fala direta e honestamente o que pensa do chefe para o chefe pode correr o risco – em algumas empresas – de ser “mandado embora”. Por outro lado, compartilhar esse descontentamento com outros colegas de trabalho é um comportamento aceito e muito difundido no ambiente corporativo. Isso quer dizer que muitos sabem e dividem suas opiniões sobre alguém, no caso o chefe, e o verdadeiro interessado está excluído da discussão. Essa parece ser também uma forma agressiva de responder a um suposto estilo inadequado de liderança do qual todos reclamam. Ou seja, ninguém é simplesmente vítima de um chefe percebido como inadequado, é possível defender-se revidando na mesma intensidade, mas não na mesma moeda.

A segunda característica é que, invariavelmente, as reclamações se referem a problemas de estilos de liderança e de comunicação interpessoal, ou seja:

–      mandos e desmandos;

–      tratamento interpessoal inadequado;

–      inabilidade de lidar com pessoas;

–      dificuldade de “se perceber”;

–      truculência, insensibilidade;

–      incoerência entre discurso x atitude;

–      indecisão, centralização.

Ou seja, comportamentos que qualquer pobre mortal já demonstrou uma vez na vida, em alguma situação. E por que chefes não podem apresentá-los? Por que eles são cobrados insistente e implacavelmente por isso? Respostas a essas perguntas são difíceis de se obter, pois enredam desde aspectos da relação idealizada com a autoridade, projeção de estereótipos, “o santo não bate” pura e simplesmente, até o momento da maturidade da equipe quando avalia o que é um chefe ideal. O que parece comum nesse aspecto é o fato de que cada pessoa tem internamente um chefe idealizado e que, na maior parte das vezes, não “bate” com o chefe de fato. A pergunta é: o que cada um faz com essa diferença? Sofre? Tenta aproximar o ideal do real? Reclama? Revida?

Pelo lado dos chefes, aqueles que reconhecem essa dificuldade de estilo pessoal, quando o fazem, normalmente apresentam causas externas para justificá-la:

–      se olham e cuidam de pessoas, não há como cuidar também de resultados (não é possível fazer os dois ao mesmo tempo);

–      o próprio chefe também não é um exemplo a ser seguido, pois não cobra e nem incentiva a gestão de pessoas;

–      a síndrome de Gabriela: “eu nasci assim, eu cresci assim…”;

–      só nos treinamentos é que esses temas são discutidos e aprofundados; no dia a dia, o chefe cobra resultados, e assim voltamos à primeira justificativa novamente.

Ou seja, pelas razões apresentadas, pode-se dizer que para eles esse comportamento é difícil de ser encarado e modificado, e o incentivo para fazê-lo, por parte da empresa, é muito pequeno. Mas esse incentivo não deveria vir também do próprio interessado? Não é o gestor o maior beneficiário de uma equipe motivada por um estilo de liderança adequado? Seus resultados e reconhecimento interno não dependem dos resultados da equipe? Como resposta a essas perguntas, algumas empresas chegaram ao ponto de condicionar a remuneração variável de seus gestores à demonstração inequívoca de práticas de gestão de pessoas, tais como: número de pessoas treinadas pelo gestor, número de pessoas movimentadas etc. O que levaria a concluir que, se essa prática está dando resultados, o problema não é de natureza comportamental e sim motivacional.

A terceira característica é uma variação das duas primeiras, chefe também reclama do chefe. Não poderia ser diferente. O que faz concluir que esse não é um comportamento exclusivo de quem não é chefe, que não existe solidariedade entre eles, os chefes, e que basta assumir a função para ser alvo de críticas.

Diante dessas constatações, a questão que se coloca para as empresas é: existem maneiras significativas de desenvolver comportamentos / atitudes nos líderes de acordo com as expectativas de resultados da empresa e as expectativas de tratamento de subordinados? Muitos especialistas dirão que sim, existem, mas o assunto é longo e complexo. Mais do que tratá-lo com conselhos fáceis, superficiais e já conhecidos de superação dessas questões do relacionamento chefe x subordinado, ainda é mais importante entender como elas se desenvolvem no cotidiano organizacional. Talvez, ao procurar entender mais profundamente sua natureza, e suas motivações, seja possível encontrar soluções mais adequadas e compatíveis com a necessidade de quem sofre cotidianamente os desencontros e desgastes dessa relação.

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