Os efeitos colaterais da remuneração variável

Praticamente impensável há alguns anos, a remuneração variável (como forma de compensação financeira pelo esforço das pessoas em produzir resultados nas empresas) é hoje reconhecidamente um dos produtos mais cobiçados e desenvolvidos das atuais políticas de RH.

Na verdade, uma lógica maior por trás dessa ferramenta deu condições para que ela aparecesse com peso e legitimidade no contexto organizacional: a lógica financeira. Essa “força” tem invadido e condicionado a maior parte das políticas e estratégias organizacionais nos últimos tempos. Ou o resultado financeiro aparece e é o grande objetivo a ser produzido, ou nada fará sentido na empresa. Parece uma lógica reducionista, porém tem sido disseminada como o sentido da existência organizacional e da sobrevivência do acionista. Tudo, parece, se subordina a ela.

Nesse contexto, nasceu a remuneração variável. Se por um lado é filha da racionalidade financeira, por outro veio resolver uma equação que até os anos 1990 ainda não tinha sido decifrada, talvez exatamente porque os cenários internos ainda não tivessem sido “estabelecidos” o suficiente. Como motivar pessoas sem movimentá-las na estrutura de cargos e posições da empresa? Até então (com as exceções de sempre – os vendedores e os raros prêmios de algumas empresas) não era possível conceber um aumento de salário sem a devida movimentação na estrutura e a indesejável incorporação ao salário fixo.

Nessas épocas, uma movimentação vertical ascendente, ou promoção, era a grande aspiração de todo funcionário, pois em termos de motivação o pacote vinha completo. Proporcionava pelo menos quatro níveis motivacionais se considerarmos apenas a teoria do velho e bom dr. Maslow: segurança no emprego, reconhecimento, autoestima positiva e autorrealização. Ou seja, era muito potente o impacto na pessoa, em sua performance e no seu vínculo com a empresa.

A promoção era, e ainda é, um tipo de movimentação que mobiliza as aspirações das pessoas, mas que hoje é utilizada com menos frequência, principalmente em função das estruturas enxutas que as empresas desenvolveram para enfrentar os novos tempos. Movimentar-se na vertical ascendente, hoje, é quase um privilégio.

Pois bem, e o que fazer com as aspirações motivacionais nesse novo quadro? Como administrar pessoas com essa séria restrição num cenário de alta competitividade em que a motivação é sinônimo de comprometimento com resultados?

Tudo “conspirava” para o nascimento da remuneração variável.

Porém, vamos concentrar a análise no impacto dessa ferramenta sobre a performance e o vínculo da pessoa com seu trabalho. Aqui, parece estarmos diante de um dilema velho conhecido – e que reapareceu “modernizado”. Sabemos que a compensação financeira provoca saltos significativos na performance das pessoas, mas não consegue sustentá-la em alta por tempos muito longos. Diferentemente de formas sociais de reconhecimento, a performance tende a cair “na espera” de outro estímulo financeiro.

Dito de outra forma, esse tipo de recompensa condiciona a performance à sua presença. Portanto, na sua ausência, a performance cai de frequência e tende a desaparecer. O dilema entre condicionar ou motivar pessoas para o trabalho reaparece com toda força em novo contexto.

Em relação ao contrato psicológico (vínculo) da pessoa com a empresa, pode-se dizer que certamente esse tipo de recompensa faz o vínculo se volatilizar. Isso porque pessoas altamente orientadas no sentido das recompensas financeiras transferem essa lógica ao seu vínculo com a empresa e estabelecem sua permanência ali ou nos trabalhos pelos quais são responsáveis. Quer dizer, será necessário ganhar sempre para que a performance se sustente, e quando o ganho não vem, a relação de permanência é questionada. Mais ainda, sabemos que pessoas que se vinculam por condicionamento desenvolvem insuficientemente outros comportamentos desejados na administração contemporânea: comprometimento com resultados, interesse em inovar, trabalho com qualidade…

Dessa forma, o que se apresenta como desafio é como garantir ambientes de alta performance e de vínculos compromissados entre pessoas e empresa com as restrições da mais poderosa recompensa utilizada hoje: o dinheiro. Nem Taylor saberia sair dessa, mesmo sendo ele um dos pais da ideia.

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