O vínculo de trabalho em tempos de “lava jato”

Uma rápida olhada nos jornais ultimamente e vamos encontrar algumas empresas envolvidas em problemas de corrupção e outras questões éticas.

Podemos supor que no quadro de valores ou no código de ética (escritos, divulgados e/ou implícitos) destas empresas deve haver menção direta sobre cumprimento de ética e temas correlatos. Existem inclusive algumas áreas de compliance na vigilância cerrada sobre estas questões.

Pode-se concluir que o envolvimento em casos de corrupção e/ou variações do tema é uma clara afronta aos preceitos estabelecidos (pelo menos no papel) destas empresas. Outra conclusão: pessoas que ali trabalham não passam imunes ao episódio de repercussão pública e serão chamadas (por suas consciências) a, no mínimo, refletirem sobre o que está acontecendo com a empresa em que trabalham.

Neste sentido, algumas perguntas importantes e inevitáveis nesta hora são: como ficam as pessoas em relação a isso? Como “ajeitam” seu vínculo (contrato psicológico) com a empresa depois da verdade revelada? Qual a explicação que dão a si mesmas para ficar ou sair da empresa?

No esforço de tentar responder a estas questões sugere-se algumas reflexões.

Em primeiro lugar pode-se esperar um rompimento de vínculo: a sempre estudada e propalada incompatibilidade entre valores organizacionais e individuais deveria ser suficiente para fazer com que profissionais íntegros tivessem uma justificativa mais do que plausível de romper seu vínculo de forma unilateral com a empresa. Neste caso poderia inclusive se esperar uma debandada coletiva de pessoas indignadas com um discurso ético não presente nas práticas organizacionais.

Pelo que se sabe isto não está acontecendo pelo menos no volume esperado.

Porque? Talvez as pessoas flexibilizem sua compreensão do que é ético e acabem arrumando justificativas “auto enganosas” para permanecer ali.

“A possibilidade de sair de uma empresa em tempos de crise talvez seja pior do que conviver com afrontos éticos”. Esta pode ser uma justificativa até bem pragmática e visando a saúde financeira e o futuro do profissional envolvido com ela. No entanto, o desgaste de ficar em uma empresa que “eu reconheço como corrupta” será afetivo, emocional e até ético e muito difícil de ser suportado; é de se esperar que este profissional não resista muito tempo. Some-se a isso o constante assédio de familiares, amigos, vizinhos por uma explicação. Sabe-se de casos que até os uniformes identificadores de algumas empresas estão sendo evitados de serem usados em público. Se a pessoa resistir a tudo isso, o mínimo que se pode dizer é que seu vínculo com a empresa caiu de qualidade, de intensidade podendo comprometer inclusive o significado que ele tem do seu trabalho.

Outra possibilidade é que a empresa é maior e mais forte dentro de cada um e isto não permita uma conscientização do problema ético vivido. Neste caso alguns manifestam as conhecidas defesas psicológicas da negação e da racionalização, evitando momentaneamente a frustração de que sua empresa admirada possa ter transgredido valores sempre defendidos por ela. Aqui também o preço afetivo e emocional será cobrado mais cedo ou mais tarde.

Ainda nesta mesma linha, poderia haver também profissionais que ficam na empresa mesmo diante do óbvio por justificativas supostamente racionais, ou mesmo com base em concepções de senso comum. Argumentam, por exemplo, que o rompimento de valores éticos é feito de uma maneira ou de outra por todos neste país e que a questão é somente de intensidade. Pessoas e empresas seriam, nesta forma de encarar o problema, todas iguais. Está é a típica justificativa do jeitinho brasileiro, ou seja, a lei pode ser flexibilizada e ainda, “se todos fazem qual é o problema da minha empresa também fazer?” Não é necessário argumentar contra a irracionalidade destas afirmações, mas elas podem justificar uma permanência na empresa e neste caso sem muita culpa ou sofrimento. Pessoa e empresa, neste caso, se merecem.

O que resta então ao profissional além de ficar em uma empresa corrupta e sofrendo por causa disto?

A alternativa de sair alegando incompatibilidade de valores pessoais com as ações constrangedoras da empresa, que leva ao rompimento do vínculo, parece ser uma saída óbvia e talvez não menos dolorosa. Não é fácil romper com uma empresa na qual que você depositou energia e esforço para sua realização e ter que separar-se dela. O desgaste afetivo e emocional não se limita ao rompimento com a empresa e o trabalho, mas também com colegas, ambiente de trabalho e apoiadores do dia-a-dia.

Obviamente pode haver aqueles que agarrados a seus princípios e alegando “traição” da empresa rompam seu vínculo e saiam com a sensação de que esta é a melhor maneira de resolver o problema: consciência limpa, princípios e valores pessoais atendidos.

Qualquer que seja a decisão – e estas citadas não são as únicas alternativas decisórias possíveis – pode-se esperar então que profissionais envolvidos com este problema devam sofrer em qualquer caminho adotado. Aspecto paradoxal este, porque eles não criaram o problema e provavelmente sofrerão por causa dele.

Para aqueles que não passam por problemas éticos deste tipo e estão somente analisando os fatos com um certo distanciamento, fica a reflexão sobre valores pessoais compatíveis ou não com valores da empresa em que se trabalha.

Na correria diária certamente este não é um tema acessado ou discutido com frequência, normalmente considerado muito etéreo, muito longe das questões práticas prioritárias que todos enfrentam. No entanto para muita gente neste momento pode estar significando o fim do trabalho e da realização pessoal e profissional.

Desta forma, hoje mais do que antes, se faz importante uma revisão e discussão periódica sobre valores, inclusive para reforçar o outro lado da questão que ficou implícito nesta reflexão aqui, ou seja, valores são centrais no engajamento de pessoas.

Luis Felipe Cortoni

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