Não se pode medir o comportamento humano com uma régua

“Há uma série de fenômenos de grande importância que não podem ser registrados (ou compreendidos) através de documentos quantitativos, mas que devem ser observados em sua plena realidade.”

Bronislaw Malinowski

 

O conhecido antropólogo Malinowski coloca nessa frase uma questão muito atual no ambiente organizacional contemporâneo: é possível medir as mudanças do comportamento humano? É possível verificar se o comportamento de liderança de gestores depois de um evento de treinamento se modificou? Por ele, a resposta a essas e outras perguntas semelhantes seria não, só é possível percebê-las de outra forma.

Na verdade, parece que há por trás dessa discussão uma lógica que tem crescido em peso e legitimidade nas empresas hoje: a lógica financeira. Essa “força” tem invadido e condicionado grande parte das ações, políticas e estratégias organizacionais nos últimos tempos, tornando tudo a sua semelhança. Sempre esteve presente, mas nunca com tal força e poder de pressão: ou o resultado financeiro é mensurado e aparece, ou nada fará sentido na empresa. Tem aparência de uma lógica reducionista, porém, tem sido disseminada como o sentido da existência organizacional e da sobrevivência do acionista. Como consequência, tudo deve e pode ser traduzido em indicadores mensuráveis que serão os sinalizadores da saúde organizacional numérica.

Afinal, o que isso tudo tem a ver com o comportamento humano?

Partindo da mesma lógica, que serve para os resultados objetivos, gestores e profissionais, tomados pela mesma “febre”, entendem que o comportamento humano também pode ser medido e classificado segundo certos indicadores financeiros e/ou técnicos. Por exemplo, depois de um treinamento dito comportamental, onde se gastou tempo e dinheiro (dizem eles), quais são as mudanças quantitativas, portanto traduzíveis em números, que serão observadas no comportamento humano para que se possa fazer o cálculo do retorno investido pela empresa nessa atividade? À primeira vista, a questão parece legítima, mas está invertendo a lente da compreensão ou, dito de outra forma, quer medir o peso de algo com uma régua. Felizmente, o comportamento humano muda e melhora, sem dúvida, porém, de acordo com uma lógica um pouco diferente daquela utilizada para entender e medir atividades técnicas na organização. É um fenômeno diferente e, portanto, deve ser entendido de forma diferente. No exemplo citado do treinamento de líderes, pode-se conseguir uma medida qualitativa do tipo antes e depois, mas sempre de forma indireta, ou seja, apontando aspectos da organização que se modificam com uma mudança comportamental: clima de trabalho, relações interpessoais ou ainda nível de conflito interno em uma equipe. Medidas, dessa forma, as mudanças de comportamento parecem não interessar ao quadro de indicadores financeiros, mas ajudam na percepção de outros resultados não menos importantes para a organização, tais como: a saudabilidade do ambiente de trabalho, que suporta a perenidade de resultados.

Existe, ainda, mais uma importante questão metodológica envolvida no exemplo do treinamento. Como isolar “uma única variável” que teria exercido o efeito de mudança no comportamento de todas as pessoas que participaram dele? Quem pode dizer com segurança metodológica que variável é essa? Caso contrário, se houver outras variáveis que influenciem o comportamento do treinando quando ele retorne ao trabalho (o que é bem provável que aconteça) seria fundamental isolá-las para poder medi-las com a comprovação numérica desejada indicando a eficácia do treinamento aplicado. Não é necessário continuar, é óbvio que o problema é complexo e não será resolvido da maneira que está sendo tentada atualmente.

No entanto, muitos ainda insistem nessa tecla. Por que deve haver controle e medição sobre as mudanças do comportamento de pessoas? Não será possível lidar com a contribuição humana de outra forma?

Visto dessa óptica, o problema passa a ser outro. A criatividade, a inovação e até mesmo a produtividade, aspectos da sobrevivência das empresas hoje, têm, lá no fundo, uma (im) precisão humana que é inexplicável, ou pelo menos não mensurável. Aquilo que muitos dizem pejorativamente ser interferência do “fator humano” produz, por outro lado, resultados positivos, concretos e necessários às organizações. Talvez esse fosse o campo que devesse ser melhor compreendido por gestores e profissionais em geral: como criar condições para que o elemento humano possa produzir mais, melhor, por mais tempo e com saúde física e mental. Ou seja, como criar sustentabilidade de resultados organizacionais pela via da contribuição humana. Ou será ao contrário: como garantir sustentabilidade humana para os resultados organizacionais.

Não será controlando ou medindo que essa compreensão surgirá no ambiente de trabalho. Quanto mais os gestores se aproximam de números e de indicadores financeiros, mais se afastam das pessoas. Quanto mais as tabelas “excell” aparecem nas telas, menos as pessoas serão compreendidas como recursos de resultados exponenciais.

 

 

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