BBB e vida cotidiana na empresa

Mesmo com as limitações e prováveis edições que sofre o programa “BBB” da Rede Globo, ele traz bons estímulos para analisar e, quem sabe, entender um pouco mais sobre alguns aspectos do comportamento humano, ao vivo e em cores.

Como em um laboratório, não totalmente limpo de interferências, esta atração televisiva atrai pela facilidade com que revela cada um de nós, uma vez que expõe o lado humano como poucos artistas de novelas conseguem fazer com seus personagens. A fantasia em relação ao personagem neste caso não é permitida. A não ser a de se querer estar no lugar dos concorrentes e participar como eles. Enfim, somos nós naquela casa.

Vendo-nos na telinha, com a ajuda dos “brothers”, o que acaba aparecendo são algumas de nossas dificuldades nas relações interpessoais, denunciadas pelos participantes da competição de maneira nua e crua:

-          intolerância na convivência com pessoas de posições, valores e opiniões diferentes

-          crises e disputas de liderança dentro do grupo

-          inadequação na administração de conflitos

-          dificuldades de trabalhar em equipe

-          desconfiança do outro

-          alegação de “incompatibilidade de gênios”

-          afeto que aparece na hora da destruição

Nos três primeiros dias de convivência exaustiva em grupo, os “sobreviventes” já tem razões pessoais suficientes para se separarem, para viverem isolados uns dos outros. As diferenças determinam o padrão das relações, pois acabam vivendo à mercê destas diferenças percebidas por eles como inconciliáveis.

Além disso, não se vê qualquer tentativa coletiva de amarrar um pacto de conviver. As queixas individuais indicam sempre o outro como o responsável pelo inferno vivido juntos. Porém, justiça seja feita, alguns participantes (que as vezes são a minoria) apresentam condições mais sadias de relacionamento e cumprem a função, necessária em situações extremas como aquela, de manter minimamente suportável o convívio grupal.

Obviamente, o estado de confinamento e a competição a qual estão submetidas aquelas pessoas exacerba as diferenças individuais, facilitando a eclosão de conflitos e dificultando muito a convivência.

Mesmo assim, estas dificuldades interpessoais podem aparecer quando não atingimos ainda o limite, quando as situações que experimentamos são percebidas como razoáveis,? Independente do lugar onde estivermos? Ou seja, fora da telinha e em condições ditas normais isto pode acontecer conosco?

A resposta é sim. Claro que elas perdem um pouco de intensidade, mas não chegam a mudar de natureza. Dito de outra forma, mesmo que as condições do ambiente ou da situação estejam dentro dos limites aceitáveis, as dificuldades na convivência aparecem e são muito parecidas com aquelas vividas pelos participantes. Olhar para eles é nos enxergarmos em qualquer outra relação com pessoas, em qualquer outro lugar.

Em uma empresa, por exemplo. Congele a cena, troque o cenário da casa pelo encontro/confronto diário com as coisas e as pessoas no trabalho. Alguns paralelos entre as duas situações são evidentes: troca de opiniões sobre caminhos a seguir, decisões individuais x decisões grupais, trabalho em equipe, recursos escassos compartilhados, convivência imperativa, necessidade de construção de convergências, busca de resultados que prolongam a sobrevivência etc… Quanta similaridade! Talvez com um pouco menos de intensidade na luta para sobreviver, porém a mesma natureza dos problemas enfrentados.

A maior parte das empresas busca, ao longo de sua existência, administrar e equacionar esta questão, obviamente pensando nos seus resultados e na saúde das pessoas (nesta ordem?). Pois o “casamento” entre pessoas com suas “bagagens” de vida pessoais em uma situação organizacional (onde elas também têm a oportunidade de construir estas bagagens) exige constante preocupação para que o tecido das relações internas não se esgarce.

Se não vejamos, no “BBB” do dia-a-dia organizacional podemos observar: crises de lideranças, disputas por recompensas / opiniões / prestígio, impertinência no convívio, dificuldade de superar as diferenças, conflitos, relações escusas, etc…  Neste contexto, o drama humano se releva em relação à necessidade de produzir resultados e motivação para todos. Somente a tecnologia e os esforços administrativo-financeiros não resolvem estas dificuldades.

Qual é a saída afinal? Fugindo das receitas fáceis e normalmente enganosas, muitas empresas têm encarado estas questões de frente e com coragem. Sabem que monitorar a temperatura das relações entre áreas e pessoas, fornecer condições de trabalho sadias, contratar gerentes com olhos educados e sensíveis para construir o “cooperar/competindo”, são algumas das ações possíveis para se conseguir superar e evitar as situações do “BBB” organizacional. Cabe aqui a expressão “construção de pactos de convivência” que indica uma das características importantes do relacionamento profissional: seu determinante central é a interdependência de competências e não de troca de afeto exclusivamente, por isso pode ser negociado o tal pacto, com afeto a atitude não pode ser de negociação.

A procura constante e disciplinada das convergências e do alinhamento interno em torno de propostas compartilhadas é atributo de qualquer empresa que esteja interessada em sobreviver nos agitados dias de hoje. O ajustamento interno conduz à sobrevivência externa.

Por fim, a realidade vivida pelos concorrentes do programa “BBB” é uma caricatura (com tintas carregadas) do dia-a-dia vivido por guerreiros dentro das empresas, que continuam tentando resolver estas questões diariamente, enquanto aqueles da TV voltam para suas casas um tempo depois, relembrando daquele lugar só por fotografia, ou pela celebridade instantânea da maioria.

« voltar
ilustraArtigos