Apagão de talentos e talentos apagados

Parece incrível, mas estamos vivendo novamente o crescimento e o desenvolvimento do país, das empresas, dos empregos. A crise para uma grande parte das empresas já faz parte do passado.

Nesse cenário, entre os temas da agenda que voltam à pauta de discussões, está a necessidade de pessoas capacitadas e preparadas para enfrentar essa nova realidade. O que dizem os especialistas é que precisaremos, em um futuro breve, de alguns milhares de “talentos” em todas as funções, em todo o Brasil.

A expressão talento não é por acaso, precisa-se de gente para trabalhar, mas não de qualquer tipo, precisa-se de talentos diferenciados. Quer dizer, pessoas que não necessitem de treinamento e já entrem em campo para jogar (plug and play); pessoas que se adaptem rapidamente às necessidades da empresa; pessoas que decodifiquem as mudanças e se adiantem a elas; pessoas que protagonizem e empreendam o caminho futuro da empresa. Se for isso, de fato, trata-se de raros talentos. A busca, dessa forma, será intensa e estressante, pois a quantidade necessária parece não condizer com a qualidade disponível no mercado, daí a expressão: “apagão de talentos”.

Por outro lado, duas outras situações interessantes abrem-se para a análise diante de um cenário tão inusitado.

A primeira diz respeito àqueles que já estavam se acostumando a viver fora das empresas: os mais velhos (alguns aposentados) e os que, diante da demissão voluntária ou involuntária, se tornaram consultores organizacionais. No caso dos primeiros não são poucas as histórias de proposta de retorno reafirmando a lógica da adaptabilidade das organizações, ou seja, o que era fator restritivo, em um cenário recente, já não é no cenário atual e futuro. A restrição de idade já está sendo olhada pelo lado positivo, trata-se de profissionais com experiência que, além de internalizar imediatamente suas qualificações e competências, podem treinar outros e formar sucessores. Essá é uma solução de curto prazo porque o repertório desse profissional entra em utilização assim que ele inicia seu trabalho; de médio prazo porque ele pode prover capacitação a outros e de longo prazo porque forma pessoas para o futuro. O rompimento do estereótipo de “mais velho” se mostra nesse momento de muita utilidade, e inteligência, reflexo também da escassez do mercado.

No caso da segunda situação, dos recém-consultores, a análise é praticamente a mesma. Eles começam a voltar para as empresas e iniciar seu aporte de competências ao processo de trabalho. Muitos justificam esse retorno por causa da “proposta irrecusável” feita pela empresa, já que trabalhar e empreender sozinho é bem diferente do vínculo empregatício. Tanto os mais velhos quanto os consultores podem voltar também por conta desse vínculo ter sofrido drásticas modificações nessas últimas décadas, e sua volatilização atual é uma realidade muito diferente dos anos 1980 e 1990. Hoje, o trabalho como terceiro, como contratado por tempo determinado, ou por projeto, entre outras modalidades de vínculo, são perfeitamente admissíveis e reconhecidas, sem falar na flexibilidade das formas de remuneração desenvolvidas para sustentar esses tipos de contrato. Parece que tudo se encaixa muito bem.

Olhando agora para dentro da empresa, o que podemos ver nessa questão de necessidade de talentos?

Não deve ser novidade o fato de que, depois da estressante crise, a reconstrução, o tratamento de rescaldo e o desenvolvimento da organização são tão intensos e difíceis quanto enfrentar a própria crise. A exigência atitudinal que recai sobre as pessoas foi e tem sido muito alta diante das incertezas do cenário de crise e a insegurança desses períodos transitórios. Exige-se rapidez no entendimento dessa complexidade para se obter vantagens competitivas, e isso tudo acaba se traduzindo em um dia a dia organizacional para poucos heróis e sobreviventes. Serão esses os verdadeiros talentos? Na verdade,

e no fundo de toda essa discussão, estão sempre esses “heróis” que devem ser os agentes das tais transformações e mudanças.

Afinal, o que se espera deles?:

-      que se adaptem o mais rápido possível;

-      que mudem de valores referenciais de ontem para hoje;

-      que se comportem conforme as novas regras, não definitivas;

-      que aumentem seu comprometimento e colaborem com aquilo que não inventaram;

-      que se envolvam e deem sugestões para aperfeiçoar com o que não concordam;

-      que não manifestem resistência;

-      que estejam preparados para a próxima crise;

-      que não tenham medo de perder o emprego, pois isso faz parte do jogo; afinal, ninguém tem estabilidade.

-      que tenham comportamentos iguais àqueles previstos nos “manuais práticos para transformar uma empresa”.

Não é fácil. Paralela a esta situação nunca se falou tanto de burnout, crises comportamentais e assédio moral dentro das empresas. Coachs estão trabalhando como nunca no acolhimento dos dramas individuais, pelo menos para os que podem desfrutar desse serviço diferenciado. Os estudos de clima denunciam toda sorte de dificuldades enfrentadas pela maioria na experiência do cotidiano. Os talentos internos em algumas empresas, parece, estão se apagando ou estão sendo apagados.

Talvez, e apesar do momento, seja a hora de um esforço de recuperação interno. Esses talentos, cuja contribuição é e foi inegável em qualquer cenário, precisam ser reconhecidos e valorizados e trazidos novamente à batalha, só que agora de uma forma diferente.

Mais ainda, os ajustes nas condições de trabalho e de gestão que geram em parte essas consequências inadequadas de comportamento precisam ser enfrentados. As queixas, para quem quer ouvi-las, estão por toda parte. Diagnósticos não faltam, estudos de clima, de engajamento e mesmo a comunicação informal são suficientes para prover informações significativas que justifiquem uma intervenção saneadora nesta questão.

Está na hora de acender novamente os talentos internos, eles merecem.

 

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